Com algum atraso, cabem algumas palavras sobre a realização do festival alemão WACKEN OPEN AIR do ano de 2015.
O festival chegou à sua 26ª edição e já atingiu um status pra lá de respeitável dentro do âmbito da música pesada, se tornando uma espécie de "meca" para o público headbanger.
É bem verdade que nos últimos anos o Wacken estreitou mais e mais sua insistência com as formas mais tradicionais de Heavy Metal. Outros festivais do verão europeu (Sweden, Hellfest, dentre outros) apostaram um pouco mais na variedade e na modernidade, o que muitas vezes torna as escalações mais atraentes.
Mas o combo "aventura + paixão por um estilo" acaba por tornar o W:O:A um festival não só tradicional, como até mesmo curioso, folclórico, pitoresco. Além disso, claro, havia o principal, havia a música: os headliners escalados incluíam JUDAS PRIEST, uma rara aparição do RUNNING WILD, e a reunião, após mais de 10 anos, do SAVATAGE (num show duplo com a Trans-Siberian Orchestra).
Outro ponto a se destacar (e, dependendo do ano, o destaque é negativo, como neste 2015) é o slogan "RAIN OR SHINE". Todo ano o festival fica sujeito a chuvas, que geram a lama, dando o clima de woodstock ao festival. Nada mais normal.
Entretanto, em 2015 as tempestades dos primeiros dias realmente tornaram o ambiente pesado, dificultando acampamento, locomoção e estadia no local de um modo geral.
É claro que a lama acaba sendo um ingrediente a mais para a diversão de muitos. E uma vez que se encara o festival e se sabe do risco, chuva e lama incluem-se no combo místico do Wacken. Mas, em termos práticos, pode ser um fator desestimulante e os contratempos são inúmeros.
É o exemplo do que ocorreu no primeiro dia de festival. Um dia interessantíssimo, em que poucos grupos tocam, e a variedade de temas é um atrativo. No dia 29/07/2015 atrações como o sinfônico THE GENTLE STORM, o rock oitentista do NEW MODEL ARMY (relativa e grata surpresa dentro do direcionamento mais conservador próprio do festival, conforme já citado) e o hard rock clássico / AOR dos suecos do EUROPE eram garantias de uma ótima abertura!
Infelizmente, a chuva extrema e problemas com a distância dos acampamentos (e busca por acessórios como comida, galochas, capa, dentre outros para sobreviver aos 4 dias) permitiu apenas assistir ao projeto THE GENTLE STORM, capitaneado por Arjen Anthony Lucassen (Ayreon, Ambeon, Star One, Guilt Machine) e pela holandesa ANNEKE VAN GIERSBERGEN.
O palco escolhido era o PALCO WACKINGER, mais afastado dos palcos centrais e que permitia assistir ao grupo de forma bastante próxima, sendo um palco bem pequeno. Debaixo da garoa forte, a musa Anneke agitou bastante e fez um set curto, porém bem vitorioso, pois soube escolher com precisão músicas do THE GATHERING ("Strange Machines"), de seu projeto AGUA DE ANNIQUE (a ótima "Witnesses") e de sua participação no disco de DEVIN WONSEND ("Fall Out") para animar os presentes.
O restante do grupo era bastante jovem, e Arjen Lucassen, para variar, não costuma aparecer ao vivo - o que é uma pena. Infelicidade também anunciarem que o tecladista da banda havia sido furtado horas antes, o que poderia prejudicar um pouco a performance, mas não comprometeu, com a experiente vocalista empolgando em todas as canções (inclusive nas do próprio Gentle Storm, que já citamos aqui, um projeto bem agradável).
O dia 30/07/2015 prometia superar os contratempos em face da tempestade da noite anterior. Entretanto, o tempo não abriu, e debaixo de chuva o jeito era apreciar as bandas escaladas para o dia - que culminaria com a apresentação do SAVATAGE.
Destaque no dia para grupos referenciais em seus subestilos: o death melódico pioneiro dos suecos do DARK TRANQUILITY (Headbanger Stage), o folk/industrial alemão do IN EXTREMO (Black Stage) e o ótimo gothic/EBM norueguês do COMBICHRIST (no WET Stage, e é sempre bom ver o Wacken investindo em bandas modernas como esta!).
Mas o primeiro grande show do dia foi o de UDO DIRKSCHNEIDER (True Metal Stage). O ex-Accept se apresentou ao lado da Musikkorps der Bundeswehr - espécie de banda do exército local. O setlist é bastante baseado na já extensa carreira solo de UDO, que é recheada de boas, empolgantes e já clássicas canções. O Accept não ficou de fora, representado pelos hits "Metal Heart" e "Princess Of The Dawn".
No palco ao lado, eis que surgiria pouco depois o ícone industrial ROB ZOMBIE (True Metal Stage), elevado à posição de uma das atrações principais do festival. E é pra lá de merecido, pois Zombie faz um show intenso e monstruoso, dos melhores de todo o festival!
Entre os clássicos, um número excessivo de "covers" (Metallica, Ramones e até James Brown), mas que cumpriram a finalidade de entreter. Dentre as pauladas, aí sim as obrigatórias "Super Charger Heaven", "More Human Than Human", "Never Gonna Stop", "Thunder Kiss'65" e, claro, encerramento apoteótico com "Dragula".
Não dava para se saber o que o SAVATAGE planejava para aquela noite. De última hora, a mudança de palcos anunciava o Savatage no Black Stage e a Trans-Siberian Orchestra no True Metal Stage. Mas a que horas ocorreriam cada um, ou seriam simultâneos? E caso fossem simultâneos, como assistir aos dois, sendo que havia a promessa de que não se perderia nada - mensagem do próprio Jon Oliva dias antes, para acalmar os fãs.
A introdução, pontualmente às 21h45, já encheu os olhos e corações dos presentes. A guitarra imortalizada pelo falecido CRISS OLIVA renascia em vídeo, acompanhada pela clássica introdução "The Ocean". E ambos, vídeo e intro, desenbocavam na introdução de "Gutter Ballet". Emocionante!
JON OLIVA (vocais/teclados), CHRIS CAFFERY (guitarras) e AL PITRELLI (guitarras), JOHNNY LEE MIDDLETON (baixo) e JEFF PLATE (bateria), a formação clássica se postava no palco esquerdo - único em funcionamento naquele momento - para um desfile de clássicos do grupo americano.
Apesar de serem dos Estados Unidos, o SAVATAGE sempre teve uma sonoridade tipicamente do metal europeu, e possui uma ligação muito forte com o continente, com a Alemanha e com o próprio Wacken - tanto que pouco antes do festival lançaram o disco ao vivo "Return To Wacken" (2015), uma coletânea das apresentações. Em 1998, o bootleg "Storm Over Wacken" já havia feito muito sucesso entre os fãs, na turnê do disco "Wake Of Magellan". Houve, ainda, um retorno em 2001, pouco antes da (nunca muito bem explicada) "separação" dos integrantes.
"Gutter Ballet" é uma introdução que toma ares emocionais e gradiloquentes, ganhando o público. Mas a sequência metálica foi arrebatadora, com a pesada "24 Hours Ago", eletrizando a audiência. E como é próprio do Savatage, temas mais viscerais encontravam-se com o puro hard/heavy... eis "Edge Of Thorns", "Jesus Saves", "Dead Winter Dead" e a finalização com "Hall Of The Mountain King".
Por se tratar de um show longo, já nesta primeira parte houve alternância nos instrumentos. A grata surpresa brasileira BILL HUDSON (que já havia formado o Circle II Circle e o Jon Oliva's Pain) se juntou aos demais, assim como o também "novo integrante" VITALIJ KUPRIJ contribuiu com toda sua experiência (solo, Ring Of Fire, Artension) para auxiliar Jon Oliva nos teclados. Por fim, nas músicas eternizadas com sua voz, no período em que fez parte da banda, o excelente ZAK STEVENS (Circle II Circle) surgiu para assumir a dianteira e revezar o microfone com o mestre Oliva.
Se o show se encerrasse aí, já teria sido um fenomenal e vitorioso retorno. Emocionante, vez que ver aqueles clássicos todos com a formação original não era possível desde 2001 - se contarmos que Zak Stevens saiu antes disso, a ideia era ainda mais remota.
Mas fato é que a noite apenas começara. O palco esquerdo parecia encerrar as atividades, ao que o palco direito parecia ganhar vida. As apoteóticas introduções "The Mountain" e a conhecidíssima "Carmina Burana", com diversos membros e coral postado no palco, trouxeram confusão para a cabeça de todos, que deixavam o Black Stage rumo ao True Metal Stage, ainda embasbacados.
Era muito difícil explicar o que ocorria. Um público recém tomado de assalto por um verdadeiro "best of" do SAVATAGE, agora tinha que se locomover e às pressas preparar corpo e alma para a experiência única de se ver a TRANS-SIBERIAN ORCHESTRA assim, ao vivo, de frente, e num típico festival de Heavy Metal.
Capitaneada pelo genial PAUL O'NEILL, o grupo contou com Pitrelli, Middleton e Plate, dentre inúmeros outros músicos que acompanham a TSO pelas turnês americanas e européias.
Não existe uma TSO, mas várias! Ali, em meio a constante variações (imagine o trabalho por trás de tamanha dinâmica, jamais vista!) contávamos com os vocais de RUSSELL ALLEN (sim, o próprio, do Symphony X e Adrenaline Mob), JEFF SCOTT SOTO (solo, Talisman, Journey, etc), Andrew Ross, Kayla Reeves, dentre tantos. O revezamento de instrumentistas também era enorme, com destaques a MEE EUN KIM e DEREK WIELAND segurando os teclados, e os performáticos violinistas ASHA MELVANA e RODDY CHONG.
Ainda no palco direito, músicas da fase mais recente e teatral do SAVATAGE (que mais se aproximam da TSO) rolaram soltas sob essa roupagem mirabolante, com "Turns To Me" (com Zak Stevens), "Another Way" (com Russell Allen) e "The Hourglass" (dueto incrível entre Zak Stevens e Andrew Ross, com os jogos de sobreposição de coros típicas que ocorrem no final). Magnífico!
Mas como beleza pouca é bobagem, eis o momento que todos esperavam: o palco direito reacende, com o esquerdo ainda ativo. Era exatamente o que se supunha: UM SHOW CONJUNTO! Incontáveis membros, todos eles em seus respectivos instrumentos, corais a postos em ambos os palcos... 4 teclados, 4 guitarras, diversos vocais, produção épica. O vídeo se tornava um só, em animações e efeitos que se estendiam por toda a extensão de AMBOS os palcos. O ideal para o fã era tentar se posicionar no meio de todo esse sonho, para obter o máximo de visualização de tamanho feito. Ao centro, acima do telão principal, eis o símbolo do Wacken, a cabeça de vaca, em chamas. Coisa linda, inesquecível!
Nessa nova e ousadíssima formação, destaque para "Morphine Child" (sim, o maravilhoso "Poets & Madmen" de 2001 era lembrado!) e a indispensável "Chance" - esta última com bandeiras de todos os países do mundo ocupando todos os telões! A exemplo de "Hourglass", os jogos vocais das respectivas músicas foram executados com perfeição (e muita ambição dos produtores) pelos vocalistas presentes!
A canção mais emocional do Savatage, a balada "Believe", seguida de "Christmas Eve / Sarajevo 12/24) e "Requiem, The Fifth" deram toques finais à(s) apresentação(ões). Mas, após mais de duas horas de tanto, mas TANTO acontecendo em dois palcos simultâneos, o expectador não tinha mais condições de se mover (física e mentalmente, além da garoa fina e lama que se acumulavam nos pés de todos, imóveis, encantados).
Jon Oliva provava de uma vez por todas sua teoria: os fãs são hipócritas ao renegarem a TSO, vez que ela nada mais é que puro SAVATAGE e coube perfeitamente no maior festival de METAL do planeta. Por outro lado, o mega grupo que lota teatros e arenas no inverno norte-americano, e lucra demais com isso, tem a mesmíssima proposta que o rock / hard / heavy do grupo oitentista... então por que o bloqueio com a música pesada por parte do mainstream?! Jon uniu dois mundos, ali, na frente de todos. Algo único. Mágico!
A ficha de tudo que acontecera naquele 30 de julho demoraria a cair.
O 31/07/2015 amanheceu com tempo pouco melhor. E prometia ser o dia mais produtivo do festival, pela quantidade de grupos escalados em todos os horários.
A manhã trazia, dentre outros, os brasileiros ANGRA e SEPULTURA, o prodígio sinfônico EPICA, a revelação KVELERTAK, o clássico death AT THE GATES, o melódico STRATOVARIUS, a nova formação do QUEENSRYCHE (sem Geoff Tate), o thrash visceral do ANNIHILATOR, além do extremo e insano ANAAL NATHRAKH. Infelizmente, o nocaute da noite anterior impediu um tanto a apreciação dos citados.
Mais para o fim de tarde, o sueco OPETH (Black Stage) era obrigatório de se conferir. Num curto e eficiente repeteco de toda a carreira, mas que inclui músicas da excelente nova fase que nos trouxe "Heritage" (2011) e "Pale Communion" (2014), o grupo de Mikael Åkerfeldt - que se auto-revelou um inusitado fã de Running Wild - fez bonito concerto à luz do Sol (anoitecia apenas por volta das 22h) e ao show de grandes balões que fizeram a alegria dos fãs.
Em seguida, rumo ao True Metal Stage para conferir o que nos traria o americano DREAM THEATER, que fazia uma curiosa ESTRÉIA no festival. A proposta foi ainda mais organizada, de tocar uma canção por disco, numa verdadeira e cronológica coletânea ao vivo. Iniciaram com "Afterlife", faixa de 1989, e foram até "Behind The Veil" de 2013. O disco "Awake" de 1994 foi o único omitido da competente carreira do grupo neste show.
A crítica a ser feita é para o ótimo vocalista James LaBrie. Ótimo, mas que sempre sofreu constante crítica a seu estilo vocal - o qual, no entanto, sempre se moldou muito bem a seu grupo principal e a seus projetos. Entretanto, de uns tempos para cá James pareceu perder o carisma e cantar no automático, gritando agudo em demasia, o que descaracteriza canções como a belíssima "Spirit Carries On", por exemplo. Além disso, em termos de criatividade e novas composições, a banda perdeu demais sem seu líder MIKE PORTNOY...
Rápida passagem pelo palco lateral (Party Stage) para conferir o industrial alemão do OOMPH!, banda clássica da vanguarda alemã que nos trouxe nomes desde Joachim Witt ao gigante Rammstein, dentre tantos. Grande som!
E, na mesma veia gótica/eletrônica, valia ATRAVESSAR toda a velha fazenda rumo ao coberto e isolado WET STAGE (uma espécie de ginásio, onde inclusive tocou o EUROPE no primeiro dia). Lá, o ótimo SAMAEL tocava na íntegra o referencial "Ceremony Of Opposites". Particularmente, o destaque ficou mais para as músicas novas, pois se trata de banda que ficou ainda mais agressiva neste século, com o advento de influências da música industrial.
A correria seguiu para se conferir o gigante sueco IN FLAMES, no True Metal Stage (o Black Stage receberia o headliner da noite, RUNNING WILD). O In Flames sabe fazer um show completo, moderno, agressivo e empolgante do começo ao fim. Foi dos mais lotados do festival, havendo grande dificuldade para se chegar minimamente próximo ao palco. A chuva diminuíra, e aos montes o público se amontoou para prestigiar um dos grandes nomes do metal mundial.
Show este que seria seguido pelo RUNNING WILD e que, pode parecer uma surpresa, mas é um grupo do metal clássico, da escola alemã de Accept, Grave Digger e Rage, e que não pode ser ignorado. Fãs ardorosos falavam de seu amor ao grupo e da dificuldade de poder vê-los ao vivo (ainda mais os que moram em continentes mais distantes, visto que o líder ROLF KASPAREK tem pavor de aviões).
Por mais bonito que fosse o espetáculo prometido (mais ainda pela ansiedade do público do que pelo show em si, em que um metal dos mais tradicionais seria apresentado), fato é que não se podia deixar de ir conferir o supremo MY DYING BRIDE - lá, de volta ao WET STAGE.
Pouco após o NUCLEAR ASSAULT (em outro ótimo show do festival) e o americano Ill Niño, os mestres góticos ingleses subiriam à 1h para fazer show curto e certeiro para poucos privilegiados.
"A Kiss To Remember", "Turn Loose The Swans", "She Is The Dark" e "The Cry Of Mankind" passaram a limpo, de modo conciso e intenso, uma carreira criativa e de beleza ímpar. O líder AARON STAINTHORPE marca por uma presença forte de palco, atuação performática e dramática, acompanhando a sonoridade e letras profundas da banda.
Show memorável para encerrar o dia mais dinâmico e movimentado do festival.
O Wacken se encerraria no sábado, 01/08/2015. Dia em que a chuva finalmente deu trégua e a lama começava (já em vão) a secar nos pés dos bangers presentes. Bandas como KATAKLYSM, AMORPHIS, SKINDRED, BIOHAZARD, CRADLE OF FILTH e CANNIBAL CORPSE se encarregaram de entreter o público.
Aliados a eles, a formação ROCK MEETS CLASSIC juntou a Orquestra de Praga a nomes como MICHAEL KISKE (Helloween, Supared, Unisonic), JOE LYNN TURNER (Rainbow, BTO) e DEE SNIDER (Twisted Sister, Widowmaker) para tocarem clássicos do rock. Além deles, a nova formação do excelente BLOODBATH lançava novo disco e trazia NICK HOLMES do Paradise Lost nos vocais. Por fim, o JUDAS PRIEST finalizou a noite como headliner bem sucedido que é, com os suecos do SHINING (não confundir com o norueguês!) lá no perdido WET Stage, já na madrugada de domingo, fechando o caixão do Wacken Open Air 2015.
Fica a dica para o WACKEN, gigante que é, variar ainda mais suas formações, aceitando mais estilos, se ATUALIZANDO, o que é salutar e não descaracteriza a essência do festival. Mas em se mantendo com ideias tão bem sacadas como foi esta da reunião impensável do SAVATAGE, nos termos em que se deu, ou trazendo bandas raras como foi o caso do Running Wild, o sucesso seguirá garantido para boa parte das gerações de bangers ao redor do mundo.
Confirmações como Alcest, Blind Guardian, Entombed, Ihsahn (ex-Emperor), Iron Maiden, Kylesa, Ministry, Orphaned Land e Therion, seguindo essa linha, já prometem fazer da edição 2016 um sucesso!